domingo, 27 de abril de 2014


Tá vendo aquele edifício, moço? Ajudei a levantar. Foi um tempo de aflição, era quatro condução: duas pra ir, duas pra voltar. Hoje, depois dele pronto, olho pra cima e fico tonto, mas me vem um cidadão e me diz desconfiado: “Tu tá aí admirado ou tá querendo roubar?” Meu domingo tá perdido, vou pra casa entristecido, dá vontade de beber. E pra aumentar meu tédio, eu nem posso olhar pro prédio que eu ajudei a fazer. Ta vendo aquele colégio, moço? Eu também trabalhei lá. Lá eu quase me arrebento. Fiz a massa, pus cimento, ajudei a rebocar. Minha filha, inocente, veio pra mim, toda contente: “Pai, vou me matricular!”. Mas me diz uma cidadão: “Criança de pé no chão, aqui não pode estudar.” Essa dor doeu mais forte. Porque que é qu’eu deixei o norte? Eu me pus a me dizer. Lá a seca castigava, mas o pouco que eu plantava, tinha direito a colher. Tá vendo aquela igreja, moço? Onde o padre diz “amém”. Pus o sino e o badalo, enchi minha mão de calo. Lá eu trabalhei também. Lá foi que valeu a pena! Tem quermesse, tem novena e o padre me deixa entrar. Foi lá que Cristo me disse: ‘Rapaz deixe de tolice, não se deixe amedrontar! Fui eu quem criou a terra. Enchi o rio, fiz a serra, não deixei nada faltar. Hoje o homem criou asas, e na maiorias das casas, eu também não posso entrar. Zé Ramalho

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